Se você não está disposto a se
deparar com palavras duras, melhor nem iniciar a leitura. Entretanto, se é mais
um cansado de sofrer as consequências de um sistema falido, articulado pela
despreparada administração pública, este texto é para você. Em breves palavras
quero externar toda a indignação daqueles que trabalham com a formação de
condutores no Brasil.
Diariamente temos que conviver com
regras que não agregam nenhum “valor” ao exercício de nossas funções, tampouco
para a melhoria do trânsito ou diminuição do índice de acidentes.
Novas leis, resoluções, portarias,
decretos e tantos outros dispositivos legais são criados a cada dia e, em sua
esmagadora maioria, com imposições tão pífias que as vezes me deparo a pensar
que a qualquer momento o DETRAN vai querer dizer até em que posição eu devo
colocar o simulador de direção na minha autoescola (receio já existir essa
imposição e ainda não ser do meu conhecimento – risos).
Em meio a um cenário totalmente
utópico regido por normas tendenciosas de uma administração “interesseira”,
destaco alguns pontos desta “falácia” que é o processo de habilitação de
condutores no Brasil.
Sobre a preparação teórica –
Constantemente recebo mensagens de instrutores dizendo que “o Detran não está
cobrando assim”; “nas provas do Detran ainda está caindo do jeito antigo”; “nas
provas do Detran diz que ACC é uma categoria de habilitação”; “caiu na prova do
meu aluno que a Apreensão do veículo ainda pode ser aplicada”; e por aí vai!
Temas alterados há seis meses, ou
mais, continuam sem atualização no banco de questões do Detran. A propósito,
são questões tão mal elaboradas que 90% delas é passível de anulação por erros
primários e desconformidades com a legislação de trânsito – deve ser por isso
que esta é a única prova pública a qual o candidato não tem acesso para
posteriores contestações.
Chegamos ao cúmulo de ter que ensinar
das duas formas: a antiga e a atualizada; a errada e a certa – indignação! Se o
instrutor ensina errado, é passível de punições (ver Res. 358/10 do Contran),
mas com o órgão de trânsito nada acontece!
Como pode o Estado, representado
pelos seus órgãos, cobrar quando
ele próprio não atende ao que diversas vezes consta no texto legal – “cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas
de trânsito, no âmbito das respectivas atribuições”. Seria a velha máxima “faça
o que eu digo, mas não faça o que eu faço”?
Sobre a preparação prática – A falta de
padronização e de critérios, na avaliação dos candidatos, é “a saga” que os
instrutores precisam lidar cotidianamente. A exemplo do teórico, também já vi
instrutores dizendo para seus alunos fazerem deste ou daquele jeito,
a depender de quem for o examinador.
Como assim?! Estou apavorado! – “Se
for o examinador Fulano de Tal, olhe para trás. Se for o Ciclano das Tantas,
olhe somente pelos retrovisores”; “Se for o examinador Beltrano dos Anjos,
ligue a seta para à direita. Se for o Propiniano da Silva, não precisa nem
ligar a seta”; “Se o Propiniano Batista te pegar, ele te avisa sobre o cinto.
Mas se for o Propiniano Neves, tem que ficar mais ligado”. – Os nomes e
sobrenomes são meramente fictícios e não têm qualquer relação com a realidade.
Mesmo no Detran em que já existe
o Manual Técnico com parâmetros definidos para a avaliação prática de
direção, seus servidores insistem em continuar a fazer conforme suas ideologias
e interpretações pessoais.
Sobre o simulador de direção – Já testei
vários modelos; acompanhei pessoas usando o tal simulador de direção; já me
esforcei muito para ver se a balança equilibra os prós e contras desse
“bendito” equipamento, mas a danada (balança) só pende para o lado do contra.
Não vou dizer que os benefícios sejam zero, mas ao custo e sob as condições a
que se propõe, NÃO FAZ O MENOR SENTIDO.
Atrevo-me a dizer, inclusive, que o
“bendito” mais atrapalha do que ajuda. Seguem alguns problemas que vi:
·
O pedal do acelerador é alto e duro, similar ao pedal da embreagem. O
aluno que nunca dirigiu afunda o pé naquilo para o bendito simulador não apagar
o motor. O aprendiz desenvolve uma sensibilidade equivocada do acelerador e
quando pega um carro de verdade AFUNDA O PÉ NO ACELERADOR – olha o risco!
·
“Dirigindo” o bendito, quero sair de uma estrada vicinal e adentrar numa
rodovia. A maior preocupação de qualquer motorista, neste momento, é imobilizar
o carro para observar se o trânsito permite a manobra com segurança – Pois
pasmem! O bendito não lhe dá a visão da rodovia. – O aluno vira e pergunta:
“Como eu faço pra saber se vem carro”? Instrutor: “Entra, se bater é porque
vinha”. – Depois dessa não vou nem continuar.
Sobre a motopista – Esta eu
posso AFIRMAR que os seus idealizadores JAMAIS subiram numa moto (nem na
garupa) para ver o que realmente é o trânsito para estes veículos. – Pelo amor
de Deus! – Você pegar um aluno “zerado” e dar a ele uma introdução sobre
pilotagem na motopista, tudo bem! Agora, fazer todo o treinamento e ainda ser
avaliado neste circuito que NADA representa a realidade… é, no mínimo,
irresponsável!
É um tal de aluno reprovado porque
“não olhou sobre os dois ombros”; “abriu o joelho ao contornar o oitão”; “puxou
o descanso antes de desligar a moto (ou depois – cada examinador entende de um jeito)”.
Enfim, sem que eu precise dizer mais
nada, os números mostram o resultado aí no trânsito. – Lamentável!
Sobre a formação dos profissionais
avaliadores – Examinadores são credenciados a exercer suas funções, sendo
submetidos a um “cursinho de fachada” e uma prova que qualquer candidato à
habilitação tiraria mais que 90% nela. Que me perdoem os bons
profissionais, mas ouso dizer que pelo menos 70% desta classe não tem
qualificação técnica e muito menos psicológica para, se quer, dirigir o seu próprio
carro.
Infelizmente, são estes que
frequentemente ignoram uma das regras básicas para servidor público:
“Tratar a todos com cortesia e urbanidade”.
Chegando, não por poucas vezes, a humilhar publicamente o
profissional instrutor e seus alunos candidatos à habilitação.
Indispensável mencionar que, a depender das circunstâncias, essa atitude pode
configurar crime de constrangimento ilegal (art. 146, CP) e ainda
culminar no dever de indenização por dano moral na esfera cível (art. 186,
187 e 927, CC).
Tudo isso sem falar na “máfia” que
todos sabem muito bem que existe, mas fingem não ser do “seu mundo”. Alguns
Estados, como MG, só admitem que seu Detran seja integrado por policiais civis.
Ao questionar tal medida, foi dada a justificativa de que assim a corrupção
seria inibida. – Ainda vou acreditar nisso, um dia!
Resultado:
·
Ruas cheias de pessoas despreparadas para o trânsito e consequente
aumento dos acidentes e vítimas;
·
Centros de Formação de Condutores se rendendo à corrupção imposta pelo
sistema ou fechando as portas por não terem condição de concorrerem de maneira
legal e moral;
·
O fortalecimento de uma cultura de corrupção, em que o cidadão acredita
que só consegue a habilitação aquele que se corrompe e que no Brasil é o
“jeitinho” que resolve tudo – inclusive as infrações e crimes praticados na
direção do veículo;
·
Instrutores desmotivados pelas imposições desfundadas do Estado e
condições desfavoráveis de trabalho;
·
O cliente/aluno/condutor dando cada vez menos crédito e valor aos
serviços prestados pelas autoescolas e o seu resultado final a CNH
/ direito de dirigir;
·
Estado e seus representantes (DETRAN, CONTRAN, DENATRAN) se colocando em
pedestais cada vez mais altos, de maneira que o cidadão (fantoche) fadigue a
mercê das políticas públicas equivocadas e arbitrárias.
Em alguns dias o CONTRAN publicará
duas resoluções que substituirão as atuais 168/04 e 358/10 – que tratam
especificamente da formação de condutores, das entidades credenciadas para
execução destes serviços e seus profissionais. Ainda não tive acesso ao texto
definitivo, mas já estou a par de algumas das mudanças. Das que eu vi, pouco se
tem a oferecer de relevante na melhoria da formação dos condutores, ou seja,
mais uma vez seremos vítimas de uma série de imposições que nos trarão muito
mais problemas que soluções.
Sei que estas palavras podem soar
pesado para alguns, mas esta é a dura realidade que
precisamos encarar. Chega do velho discursinho político e demagogo – Ou
“batemos de frente” com o sistema ou continuamos de braços cruzados esperando
para ver quem será o próximo a cair.
Fonte:www.autoescolaonline.net
Por: Ronaldo Cardoso